segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ANTES TARDE DO QUE NUNCA!

Essa história criou forma através de uma entrevista realizada com uma ex aluna da EJA (Educação de Jovens e Adultos), Dona Atelina Francisca de Jesus de 72 anos, brasileira nascida em Poções na Bahia, ela nos contou a sua trajetória durante os 5 anos e meio em que frequentou a escola na periferia de Diadema, e como a EJA fez parte de sua vida.
Quando criança morava em uma fazenda em Guanambi - BA, e não tinha condições de ir à escola, pois a escola mais próxima ficava muito distante, em Poções, não dava para ir e voltar todos os dias, seria preciso morar lá, alem de pagar para estudar, como seus pais não tinham condições, ela e os quatro irmãos não frequentaram a escola, e desde muito cedo ajudavam os pais no cuidado da roça.
Já na adolescência conheceu seu marido, Jose, que trabalhava em uma fazenda próxima, e seu pai fez com que logo se casassem, mas ficaram morando ali na mesma fazenda onde tiveram sete filhos, dois dos quais vieram a falecer de doenças na infância, devido à falta de atendimento médico. Seu Jose nesse meio tempo mudou-se para São Paulo, e só ia à Bahia para visitar a família uma vez ao ano.
Em 1973 seu Jose buscou a família para morar em São Paulo, e só então os filhos receberam o registro de nascimento, pois não poderiam viajar sem este. Em São Paulo tiveram mais dois filhos.
 Algum tempo após sua chegada, Dona Atelina começou a frequentar a escola no período noturno, e de lá ia trabalhar na lavanderia de um hotel de madrugada, para ajudar no sustento da família. Seu Jose que era muito ciumento não gostava muito da idéia, e por isso começaram a se desentender, briga vai briga vem, acabaram se separando por conta do ciúmes e de outras complicações que ela não revela. Dona Atelina ficou sozinha com os sete filhos, dois deles ainda muito pequenos. Devido aos filhos serem ainda crianças, ela teve de deixar a escola para que eles não ficassem tanto tempo sozinhos à noite.
O tempo passou, os filhos se casaram, restando apenas dois em casa, quando em 1999 D. Atelina resolveu voltar a estudar, evangélica a mais de 10 anos, se sentia entristecida todas as vezes que tinha de sair de sua casa em Diadema, para ir ate São Bernardo onde moram os filhos para pedir a eles ou aos netos que escrevessem os pedidos de oração da família para levar a igreja, pois “não tinha leitura”, já que não se lembrava de quase nada do que aprendera no período em que estudou quando os filhos eram pequenos.
Foi um período de muita dificuldade, os filhos que moravam com ela não incentivavam, pelo contrario, diziam: “Pra que vai voltar a estudar, já esta velha, vai servir pra que?”. Mas ela não desanimou, quando surgia alguma dificuldade procurava os netos, pedia para ajudar a fazer os trabalhos, a estudar para as provas. Vendo seu esforço, uma das filhas que só tinha estudado ate a quarta série também voltou a estudar, o que deixou D. Atelina muito orgulhosa.
No ensino fundamental, conta que não tinha muitas dificuldades, ate chegar a terceira serie e o ensino da matemática começar a ficar difícil: “ Não entendo essa matemática não, até hoje não sei direito aquelas conta”, diz ela.
Mas a maioria dos professores se preocupavam, apoiavam, e faziam o possível para ajudar. Além é claro dos amigos que fez e sempre estavam junto com ela, e tinham o maior orgulho de vê-la estudando já com 60 anos.
No ensino médio conheceu a amiga Marta, uma moça que não tinha nem 20 anos, e que passou a ser sua fiel companheira: “A Marta me ajudava muito, a vista era “pouca” e quando eu não conseguia copiar ela levava meu caderno pra casa e passava toda a lição pra mim, fazia os trabalhos comigo, ate hoje ela vem aqui em casa me ver, saber como eu to”.
Hoje após sete anos que concluiu os estudos, D Atelina conta que gostaria de voltar a estudar de novo, cursar o ensino superior, queria ter continuado já naquela época, mas como a vista já estava fraca encontrava muita dificuldade no aprendizado, e hoje mais ainda pois a visão esta ainda pior, diz também que só encontrou forças para prosseguir devido as amizades que fez ao longo do período em que estudou.
Apesar das dificuldades de casa, de ter que deixar o jantar pronto se não os filhos reclamavam, de ter que se locomover até a casa dos filhos em São Bernardo para pedir ajuda aos netos, foi uma época maravilhosa em sua vida.
Ela conta que aprendeu muito mais do que ler e escrever aprendeu a se comunicar melhor com seus amigos, familiares, conseguiu melhores empregos, e aconselhar os mais novos, já não tinha mais vergonha de dizer quando não entendia, de pedir ajuda quando precisava. Aprendeu a dizer para os filhos que ainda podia fazer muita coisa, que estava velha sim, e como ela mesma diz: “To viva, to cuidando da minha saúde, ainda tenho muita coisa pra fazer”.
A história de vida de D. Atelina é uma história de incentivo, de que é possível, é só querer, passar por cima das dificuldades, dos empecilhos que surgem no caminho, e ir para a escola, muitas vezes com a barriga vazia, deixando o filho chorando, o marido/mulher brigando, mas voltar de lá com a certeza de que valeu a pena, se descobrindo cidadão do mundo, e de sua própria vida.
Essa historia diz ao analfabeto: tente. Ao professor: acolha. E as famílias: incentive. Nunca é tarde demais.


Este artigo foi feito a partir de uma entrevista com uma ex-aluna da EJA, 
Atelina Francisca de Jesus, atualmente com 72 anos.
Texto e fotografia: Erika Marques

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