quinta-feira, 15 de março de 2012

A ideologia dos mitos



Quem não conhece a velha estória de Ícarus, contada e recontada há milênios sempre da mesma forma! 
Quem a conta, e com que intencionalidade?
Quem a ouve, e como a sintetiza?
Eu não sei, mas vamos a ela:


"Dédalo, rei de Minos, construiu um labirinto onde aprisionou seu filho metade homem, metade touro, o Minotauro, e para onde enviava seus prisioneiros e desafetos para serem devorados e, de onde Teseu, orientado pelo fio de Ariadne, sai após matar a terrível fera e aprisiona seu criador, e seu filho Ícarus que, por sua vez, constrói asas de cera, foge voando com seu pai, que o incentiva a voar mais alto até que o sol derreta suas asas e ele despenca para a morte no mar."
Lindo, não!?
O homem rejeita seu filho anômalo, executa quem o contesta, e coage o outro filho a voar catastroficamente para a morte; voo este que nem é voo! parece começar, se desenrolar e terminar com a queda, deixando claro que, se você desafiar os poderosos, a ordem vigente e tentar algo além da infâmia para a qual está  "destinado" seu fim será o precipício, sem antítese. Em resumo, esta estória é uma doutrina de mortificação.
Mas eu estava lá e contarei o que testemunhei com estes olhos que a terra não comerá antes do fim, se é que fim há!
Ícarus viu os homens sonhando voar sem engendrarem o menor  esforço para a concretização dos seus ensejos e disse consigo:
"Como podem sonhar o que lhes é impossível realizar? Isto é o princípio de morte!"
Vi-o em seguida, trabalhando arduamente em um par de asas, mas, também é provável que tenham asas brotado de seus sonhos; isto não sei ao certo. certo estou de vê-lo voar, planar, dar rasantes e arremeter, para lá e cá, alto e baixo, e o impossível virou cotidiano.
Cair? não vi. Talvez o sol, enciumado, tenha derretido suas asas, talvez tenha caído no mar e morrido no fim, só no fim, se fim houvesse... disto nada digo. Digo apenas que voou e é o que me importa. Viveu o voo, o sonho, a utopia, a vida em sua plenitude: a morte teme  seres como estes.




Aqui, Stevie Harris compõe Flight of Icarus, parecendo repetir a ideologia direitista da fábula, que soa paradoxal ao seu espírito combativo frente ao sistema capitalista, tão bem posto em suas inúmeras composições de grande alcance de público jovem, em sua maioria.

Abaixo, poema de minha autoria sugerindo outra entre infinita gama de versões que toda estória admite.

Os loucos adeptos de Ícarus
(Pássaros da imortalidade)


Um céu de poesia
Um sol de raios flamejantes
Cair na terra, cair no mar
O que importa é voar!
Vai Ícaro, vai
Às bençãos da gloria!
A segurança dos que Têm
Os pés no chão
É um sonho vão
De mediocridade.
Vou como Ícaro
Voar é a única eternidade.
Ícaro prefere o precipício
A se prender ao nada.
Eles podem sonhar
Formar novas realidades;
Ícaros podem voar!




José Filho